A pintura abstrata é enigmática, e daí decorrem as dificuldades para sua compreensão. O pintor abstrato expressa sua subjetividade, recuperando dentro de si mesmo valores autênticos que não mais encontra no mundo. A pintura abstrata nega a realidade e é construída a partir da imaginação. E a imaginação é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens. Imaginar é ausentar-se, é lançar-se a uma vida nova. E conhecer a obra de Gustavo é exatamente lançar-se ao novo.
A intimidade das texturas (papel Antaimoro), pigmentos, formas, cores, nos leva a um mundo possível, a um espaço que pode abrigar todas as fantasias. Porque a imaginação, ao entrar no mundo codificado da linguagem, se converte em arte. E a arte que Gustavo constrói nos fala de suas próprias estradas, de suas encruzilhadas secretas e abre o cadastro de seus campos perdidos e nos revela um mundo onírico, espiritual e poético.
Suas imagens não estão sob o domínio das coisas, do real, nem tampouco sob o impulso do inconsciente. Elas flutuam, voam, imersas numa atmosfera de liberdade. Uma liberdade silenciosa. Em um tempo que nada pressiona, um tempo, que o próprio papel leva para beber a tinta e devolver aos nossos olhos um novo pigmento. Um tempo de agenciamento dos sonhos, um tempo que preenche desejos humanos, uma abertura para um mundo belo, para mundos belos. E a arte chega como expressão pura de sensibilidade.
Gustavo da Liña desde a infância se coloca em movimento, vivendo além das fronteiras. Viveu entre o Uruguay e o Brasil. hoje entre a Alemanha e outros países. Foi buscar seu suporte, o papel, em Madagascar, feito pelos Antalmoros, povos de origem árabe que há 800 anos desenvolve a arte de fazer papel. Seus pigmentos vêm do México, das comunidades indígenas. A luz que suas imagens refletem são do Brasil, que ele proprio vem beber todos os anos. Gustavo simultâneamente, na arte e na vida, provoca, produz, energia que se move no espaço-tempo sem fronteiras, na busca única do desejo.
Ângela Almeida
Curadora
2001