Radicado em Berlim desde 1989, o artista gaúcho Gustavo da Liña vem obtendo um reconhecimento muito maior no exterior do que em seu próprio país, salvo, talvez, em Porto Alegre, onde mantém um atelier permanente. Mas, face sua originalidade e a importância, convém que sua pesquisa tenha uma divulgação muito mais ampla, sob a forma de exposições em algumas de nossas principais metrópoles e através de uma publicação capaz de dar conta do abrangente escopo de sua prolífica trajetória.
O fato de haver nascido na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai marcou profundamente a sensibilidade de Gustavo da Liña. A permeabilidade dos territórios, a presença do outro tão próximo, foram experiências seminais que ele terminou por elaborar sob a forma de questões poéticas. Seus trabalhos, sobretudo com seu amadurecimento, não pertencem a este ou aquele lugar, a esta ou aquela cultura, a este ou aquele tempo. Do mesmo modo que fixar residência em outro sítio, como é seu caso, não implica na dissolução das suas experiências anteriores, das referências que permanecem dentro de si ainda que eclipsadas, o artista viaja pelo mundo se apropriando de signos, processos e materiais os mais variados, para em seguida submetê-los a sua lógica própria.
Assim, ao passo em que suas pinturas não se encaixam muito bem como pinturas, superfícies crispadas e revoltas que são, os signos que elas carregam estampadas são como que vestígios de um tempo anterior mas que ainda não cessou de existir e de atuar sobre o presente, alterando-o. Ao contrário, as marcas realizadas no material dotado de alta expressividade, renova força dessas cifras, dota-as de corpo e energia.
E o que dizer sobre o material empregado pelo artista? Um papel absolutamente singular, encontrado pelo artista em uma viagem realizada à Madagascar em 1990, produto típico de um espírito marcado pela inquietude. Sob as mãos de Gustavo da Liña, o papel Antaimoro, obtido através de técnicas ancestrais até então dominadas exclusivamente pela população local, de propriedades excepcionais em que se destaca a resistência semelhante ao do couro, vem sendo divulgada a ponto de haver se transformado em tópico de pesquisa, com a devida consultoria do artista, pelo Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Brasília.
Congregando aspectos de fundo ritualístico com aspectos tecnológicos, ao lado do compromisso com a ampliação da expressão e sensibilidade do nosso tempo, Gustavo da Liña é um artista que cumpre ser urgentemente melhor conhecido e apreciado pela nossa comunidade artística e pelo público em geral.
Prof. Dr. Agnaldo Farias
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
2004